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O SUICÍDIO - EM REFLEXÃO (POR SCHWARTSMAN)


hélio schwartsman



12/08/2.010 AD


Problema insolúvel


O escritor existencialista Albert Camus (1913-1960) certa vez escreveu: "Só há um problema filosófico verdadeiramente sério: o suicídio. Julgar se a vida vale ou não a pena ser vivida é responder à questão fundamental da filosofia".


A crer na psiquiatria, este já deixou de ser um problema filosófico. "Estudos mostram que 90% dos suicídios estão associados a transtornos mentais; e os outros 10% foram mal investigados", diz o psiquiatra Bruno Mendonça Coêlho, da Universidade de São Paulo, Brasil (USP), com quem conversei para fazer uma matéria sobre o assunto.


Longe de mim querer negar as evidências empíricas. É só o teste da realidade que distingue a ciência das nossas fantasias e delírios pessoais. Ainda assim, acho que Camus não estava tão errado assim. Mesmo que a esmagadora maioria das pessoas que tenta e eventualmente consegue matar-se padeça de uma ou mais afecções psiquiátricas, isto não invalida a discussão filosófica em torno do valor da vida e da moralidade de interrompê-la. O próprio Coêlho admite a possibilidade teórica do "suicídio filosófico": "Talvez o monge tibetano que se mata em protesto contra a China, mas é um número desprezível dos casos".


Antes de recorrer aos filósofos, contudo, acho que vale dar uma espiadela na demografia do suicídio. Nós, brasileiros, não costumamos vê-lo como um problema muito sério. É que os números são relativamente modestos quando comparados aos do resto do mundo e às cifras da violência interpessoal. Por aqui, a taxa anual de suicídios por 100 mil habitantes é de 4,68. Já a de homicídios, é de 25,2 --cinco vezes mais.


Em escala global, porém, o quadro inverte-se. De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), a taxa global de suicídios fica entre 10 e 30 por cem mil habitantes, com os países campeões, como a Rússia e a Lituânia, exibindo cifras maiores do que 40. É uma das principais causas de morte do planeta. Só no ano 2000, 815 mil pessoas tiraram a própria vida. Isto representa mais do que o total de assassinatos ou de mortos em guerras no mesmo ano. Segundo a OMS, do 1,6 milhão de mortes violentas registrado em 2000, 815 mil se deveram a suicídios, 520 mil a homicídios e 310 mil a conflitos.


É claro que poderíamos passar anos a discutir a qualidade destes números. Por uma série de razões culturais, emocionais, religiosas e até securitárias --suicidas perdem os seus seguros de vida--, as pessoas não gostam de alardear que os seus parentes mataram-se. Muitas vezes, conseguem evitar que o corpo vá para o Instituto Médico Legal e a causa conste do certificado de óbito. Com isto, as estatísticas acabam refletindo um número de suicídios menor do que o real. Isto ocorre não só no Brasil, mas no mundo todo. Em que grau é a pergunta que ninguém sabe responder.


E, se contar corretamente cadáveres já é difícil, muito mais é computar pensamentos e atitudes que de algum modo se relacionam ao suicídio. Foi essa, entretanto, a proposta do núcleo de epidemiologia psiquiátrica da USP, do qual Coêlho faz parte. Num artigo que está prestes a ser publicado na "Revista Brasileira de Psiquiatria", eles tentaram quantificar, numa amostra comunitária, as cognições e comportamentos relacionados a suicídio (CCS) e relacioná-los a transtornos mentais.


Para isso, realizaram 1.464 entrevistas domiciliares em São Paulo, nas quais pesquisadores treinados aplicaram questionários padronizados para o diagnóstico de transtornos mentais e fizeram perguntas para avaliar as CCS. Concluíram que 9,5% já tiveram pensamentos suicidas e 3,1% tentaram tirar a própria vida. Transtornos depressivos, por vezes associados ao abuso ou dependência de álcool e de outras drogas, foram identificadas num número significativo desses casos.


Mas chega de chatear o leitor com números. Antes de ser sequestrado pela medicina, o debate filosófico em torno do suicídio mobilizou grandes pensadores. De um lado, estão aqueles que, amparados nas tradições judaico-cristã e platônica, condenaram o suicídio.


Um bom representante desta espécie é Tomás de Aquino (1225?-1274). Para ele, o suicídio é errado porque contraria a lei natural, faz mal à família e à sociedade e, mais importante, ofende a D-us, a quem as nossas vidas pertencem.


Opondo-se a esta visão, David Hume (1711-1776) escreveu o seu "Ensaio sobre o Suicídio". Para o autor, D-us deu ao homem e aos animais o poder de alterar a natureza em proveito próprio. É assim que é lícito à humanidade emprestar a força dos rios para mover moinhos e rodas d'água. Em princípio, portanto, nada há de errado em alterar o curso da vida (suicidar-se) em busca de maior quinhão de felicidade, isto é, para pôr fim a um estado de miséria ou sofrimento. Se não há crime em "desviar o curso do Nilo ou do Danúbio, sendo eu capaz de fazê-lo, onde está o crime em desviar algumas onças de sangue de seu canal natural?".


Numa linha semelhante vão os existencialistas, mais especificamente Jean-Paul Sartre (1905-80). Para Sartre, é claro, D-us não existe. Mas isso não é exatamente uma boa notícia. Sem o Criador, nós ficamos sós no mundo. Pior, sabemos que vamos morrer e então não seremos nada. Se há palavras que descrevem bem a condição humana no existencialismo, elas são: angústia, desespero, absurdo e náusea. Só o que resta, para Sartre, é a liberdade, ainda que sob condições externas não controladas pelo indivíduo.


A liberdade sartriana opera mais como um fardo do que como uma dádiva. "Estamos condenados à liberdade" é o lema existencialista. Não escolhemos existir, mas, uma vez lançados no mundo ao nascer, somos os únicos responsáveis por tudo o que fazemos. O principal para o existencialismo é que sempre está em nosso poder alterar a nossa existência, cuja liberdade só cessa com a morte. Daí que Camus afirmou que o suicídio é a única questão filosófica importante.


Se quisermos, um existencialista "avant la lettre" foi o estoico Epicteto (55 - 135): "Lembra-te de que a porta permanece aberta. Não sejas mais medroso do que as criancinhas, mas faze como elas quando estão cansadas de seus jogos e gritam 'não brinco mais'; quando estiveres em situação similar, grita 'não brinco mais' e parte; mas, se ficares, não chores".


Hoje, é claro, os Epictetos, Camus e Humes seriam medicados com antidepressivos. A filosofia sobreviveria? Provavelmente sim, mas as imagens e metáforas talvez ficassem piores.

hélio schwartsman

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/781515-problema-insoluvel.shtml

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